29.12.05

Todos eles.

São todos eles artistas.
Acotovelados no espaço da tela.
Raivosos, são melhores.
Velados...
São todos eles todos, menos eles.

21.11.05

Gosto de Cereja

MARCELO GOMES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alguns filmes têm um dom de nos entorpecer. Alguns filmes usam de artifícios caros, efeitos esplendorosos, planos espetaculares para isso. Alguns outros, e pouquíssimos, têm o dom de nos entorpecer com quase nada. Em "Gosto de Cereja", do mestre iraniano Abbas Kiarostami, é como se fôssemos hipnotizados e carregados para um mundo onde o essencial, e somente o essencial, é visível aos olhos.
A história se passa nas ruas da conturbada e caótica Teerã. Baddi , um homem de olhar triste, dirige a esmo pela cidade à procura de alguém que possa lhe fazer um favor. Essa narrativa, aparentemente simples, provocará um estardalhaço nos nossos sentimentos. Badii tem dois olhos e uma dor profunda que sai de sua alma. Um homem e a dor do mundo. Seria esse o resumo do filme.
Não existe uma história para contar. Existe uma história para ser sentida. Nada mais acontece além do que é essencial: o sentimento do mundo. Kiarostami vai à procura da simplicidade, da reconciliação com a natureza. Ele nos embaralha a cabeça, ficamos confusos. Em algum momento, já nos sentimos com a mesma dor de Badii, já estamos no meio de Teerã, procurando respostas para nossas inquietações e como ele descobrimos que, às vezes, a resposta está na nossa frente, como uma chuva que cai ou como o relampejar de um trovão.
Eu o conheci em Cannes. Conversamos e ele disse: "Gostei do seu filme, mas ele tem o mesmo problema dos meus: quase nada acontece". E eu disse: "Esse é o maior elogio que eu poderia receber". Obrigado, mestre Abbas.

Marcelo Gomes é cineasta e ganhador do prêmio da 29ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com "Cinema, Aspirinas e Urubus", em cartaz em São Paulo.

13.11.05

David Lynch - Som e sentido

Se alguém me perguntasse quais são os filmes que, para mim, representam os exemplos mais brilhantes do que se pode realizar como cineasta, creio que eu escolheria quatro. Para começar, "Oito e Meio" [1963], para mostrar como Fellini foi capaz de obter no cinema o mesmo resultado que certos artistas conseguem na pintura abstrata, ou seja, conseguir comunicar uma emoção sem jamais falar dela ou mostrá-la diretamente, sem jamais explicá-la, quase como se fosse magia. A seguir, eu exibiria "Crepúsculo dos Deuses" [1950], um pouco pelas mesmas razões.
Porque, se o estilo de Billy Wilder não se compara ao de Fellini, ele obtém resultado mais ou menos similar, ao criar uma espécie de ambiente abstrato, menos por magia pura do que por toda espécie de invenção estilística e técnica. A Hollywood que ele nos descreve naquele filme sem dúvida jamais existiu, mas ele nos alcança e faz com que acreditemos plenamente e nos faz penetrar nela como num sonho.
Depois disso, mostraria "As Férias de M. Hulot" [1953], pela visão incrível que [Jacques] Tati tinha da sociedade. Pode-se ver, em seus filmes, como era profundo o conhecimento e o verdadeiro amor que sentia pelo ser humano, e há muito a aprender com seu exemplo.
Por fim, mostraria "Janela Indiscreta" [1954], em razão da maneira brilhante pela qual [Alfred] Hitchcock conseguiu criar -ou recriar- um verdadeiro universo no pátio daquele edifício. James Stewart não sai de sua cadeira o filme inteiro e, apesar disso, testemunha, de seu ponto de vista, uma incrível história de morte. Esse filme, a arte de condensar algo enorme e de fazer com que caiba na película, que parece minúscula, só pode funcionar por se basear em um completo domínio da imagem. [...]

Entidade sólida
Descobri o poder do som desde o começo. Trabalhei com "pintura viva", um projetor passando um filme em "loop" e o som de uma sirene rodando igualmente em "loop" por trás da cena. Desde então, sempre considerei que o som representava metade da eficácia de um filme. Temos a imagem de um lado e o som de outro, e, se o diretor sabe como aliá-los corretamente, o conjunto é muito mais forte que a soma das partes. A imagem repousa sobre toda espécie de elementos frágeis e voláteis (a luz, o enquadramento, a interpretação dos atores etc.), mas o som é uma espécie de entidade sólida e possante, que "habita" fisicamente o filme, que se instala nele como alguém se instala em uma casa.
É claro que é preciso encontrar o melhor som, o que implica muita discussão, muitos testes e muitas experiências. [...]
Cada cineasta tem hábitos ou pendores característicos, no plano técnico. Por exemplo, adoro brincar com contrastes, filmar com lentes que me dão grande amplitude de campo e ao mesmo tempo adoro close-ups muito próximos, como os fósforos em "Coração Selvagem" [1990].
Por outro lado, tenho um método muito peculiar de realizar "travellings". É um método que experimentei em "Eraserhead" [1977] e que voltei a utilizar em todos os meus trabalhos posteriores. Consiste em carregar a dolly da câmera usada no "travelling" com pesos, sacos de areia, até que pareça pesar três toneladas. São necessárias muitas pessoas para empurrá-la, e ela inicia seu percurso muito lentamente, como uma locomotiva saindo da estação.
Mas, passado um momento, a dolly ganha velocidade e, depois disso, passa a ser necessário empregar muita energia para impedir que ela corra demais. É quase necessário que alguém se jogue à sua frente para detê-la. O interessante desse método é que dá ao "travelling" uma graça e uma fluidez notáveis. Creio que o melhor "travelling" dos meus filmes esteja em "O Homem Elefante" [1980], quando Anthony Hopkins descobre pela primeira vez o homem elefante e se aproxima de seu rosto para ver sua reação.
Tecnicamente, foi uma tomada muito bem realizada, mas, além disso, no exato momento em que a câmera se detém em seu rosto, Anthony Hopkins deixa escapar uma lágrima. Isso não estava previsto. É um desses momentos mágicos que acontecem. Foi a primeira tomada, mas, após ver o que acontecera, eu nem mesmo pedi uma segunda.

O Mais-que-Perfeito combale o imperfeito.

Antes fosse certeiro o tiro, disparasse.
Não machucasse a alma desacompanhada do homem.
É negra.É feia.É de ser assim, simples.
Quando o tiro falho dói a alma é por que fora.
Um troço sem destino ferira mais, surpresa.
O fardo de quem sofre deste mal não termina jamais.
É, fosse, fora..
Eterno curativo.
É por que é.
É de ser assim, simples.
Escada sem fim, passeio.
Mas no tempo do ferimento fizera mais.
Separara o ser pela metade de si mesmo.
Jogara uma parte ao chão.
A outra, foi-se em vão.Definitiva.
Abandono e refeição.
Rio escasso e pedra.
E nos olhos o gosto leve.
E nas mãos a leve sensação.
De um dia encardido, sem qualquer coisa que pudera ser :
Alegria

2.11.05

Dias de amor.

Tanto rebuliço

A alma cheia de amor!

Satisfez

Fez-se uma em duas

Trago breve

Constante

Foram dias de amor

Hoje o peito explodiu

Mudo

Rasgou-se

E digam a todos assim:

Amei-te poucos dias mil carnavais

31.10.05

Errado

Toca a roda .

Vai depressa.

Salta a valsa .

Que?

Não foi

Já é demais

Chega de ser assim...

Fim

Fim não...quero de novo

O pescoço do pato

Vivo o pato esta pago

Tudo errado

Errado

Errado.

24.10.05

Sobre ela e eu.

No verso do outro
Sob luzes miadas azuis
Os dedos, recados...
A voz, não há.
Deita tranquilo na palha.
Observa o céu, quão esfuzio.
E é seu..
É meu..
É por que é.
É de ser assim..
Nosso.
Vira de lado
Fecha os olhos
Abre de novo
É tudo real.
É sim.
Sou eu...
É você.
Somos nós e o céu.

23.10.05

Sobre cinema.Olhar de um já experiente.

A técnica é uma ilusão

“O problema da geração mais nova [de cineastas] com relação às precedentes é o fato de ter crescido em uma cultura na qual a imagem se tornou onipresente e onipotente. Banharam-se desde pequenos no universo do videoclipe e da publicidade, que não são formatos que me atraíam, pessoalmente, mas cuja riqueza visual é inegável. E por isso os cineastas estreantes têm uma cultura e um domínio de imagem muito superiores aos que seus predecessores tinham 20 anos atrás.
Mas, em razão disso, eles também abordam o cinema de uma forma que privilegia a forma ao conteúdo, e creio que chega um momento em que isso os atrapalha. De fato, creio que a técnica é uma ilusão. [...]
Há cineastas que dizem imaginar o filme inteiro em suas cabeças, antecipadamente, mas mesmo assim há muitas coisas que não se revelam, a não ser no momento, quando todos os elementos de uma cena estão montados no local de filmagem.
O primeiro exemplo que me ocorre é o do acidente de carro em "Tudo sobre Minha Mãe" [1999]. No começo, eu planejava filmar com uma grua e terminar com um longo "travelling", acompanhando a mãe em sua corrida pela rua, sob a chuva, na direção do filho agonizante. Mas acabei por repensar e disse a mim mesmo que o "travelling" era parecido com um plano que eu já utilizara no final de "A Lei do Desejo" [1987]. E por isso decidi, de improviso, naquele momento, rodar a cena de maneira completamente diferente, ou seja, como uma tomada subjetiva. A câmera filma do ponto de vista do rapaz, passa por baixo do carro e se perde no sol, e enfim ele vê a mãe correndo em sua direção.
No final, terminou sendo sem dúvida um dos planos mais fortes do filme. No entanto não foi de maneira nenhuma premeditado. Tudo surgiu de decisões intuitivas, improvisadas ou acidentais, que são a magia da filmagem. [...]

Close-up perigoso
O fato é que não tenho fetiches ou manias, na hora de rodar uma cena. Mas, nos meus dois últimos filmes, surgiram detalhes muito peculiares. Para começar, usei um novo tipo de lente, chamadas "primes", que me satisfizeram muito, pela densidade que dão às cores e, acima de tudo -o que pode surpreender- pela textura que emprestam aos objetos que não ficam em foco, no segundo plano de certas imagens.
Além disso, e isso é o mais importante, utilizei basicamente o modo "scope", com um formato de imagem muito mais alongado. O "scope" não é um formato evidente e oferece certos problemas, especialmente no caso dos planos próximos. Para filmar um close-up nesse formato, é preciso fechar nos rostos, e ocasionalmente isso se torna perigoso, porque não há como mentir. Isso obriga a encarar a questão quanto ao que se quer realmente dizer com o close-up. Os atores precisam ser bons, e é preciso que haja algo de verdadeiro naquilo que interpretam -ou a cena descamba.
Digo isso, mas poderia facilmente oferecer um exemplo inverso daquilo que estou dizendo: [o cineasta italiano] Sergio Leone [1929-1989]. A maneira pela qual ele filmava close-ups extremamente próximos em seus westerns era completamente artificial. Lamento muito, mas Charles Bronson [1922-2003], para mim, é um ator que nada exprime. E a intensidade que deriva dos close-ups de seu rosto durante as cenas de duelo é completamente falsa. No entanto sou obrigado a reconhecer que o público adora o estilo.
O exemplo oposto é David Lynch. No caso dele, embora filme certos objetos em close-up, consegue dotar as imagens de um verdadeiro poder de sugestão.
Os planos não são só impecáveis do ponto de vista estético mas repletos de mistério. A abordagem dele corresponde à minha, mas eu sou muito mais fascinado pelos atores, adoro filmar rostos, enquanto Lynch, que começou nas artes plásticas, visivelmente se interessa mais pelos objetos.”

Pedro Almodóvar.

17.10.05

Um só.

Difícil escrever.Temas nada agradáveis tornan-se enfadonhos.O trabalho de Realidade Socioeconômica e Política Brasileira é um deles.O que o leva a tal,pedacinho de idéia,mínimo compromisso dispendioso de informção.Falta de gozo na atividade de ensinar,múmia que repete,ausente no tempo um presente fundido em argila.Diz-me isso,aquilo,vai dizendo sem parar.Diz no presente o passado e pede uma idéia do futuro.Constrói,desconstrói,mas no fim é tudo a respeito de si mesmo.
Depois é um vômito de artigo caprichado de adjetivos.Como é que se adjetiva a história?Visão pessoal de outro sobre aquilo que não se sabe nem nunca se soube.Pesquisa falada?Pesquisa copiada.Todos querem criar sua estradinha concreta e briosa.Nem que para isso tenham que se enganar e contar um texto pelo número de páginas escritas.Palavra maltratada,emudecida em si mesmo pelas mãos de um outro qualquer,safado homem que foge de si,busca adjetivos,idéias e compreensões para algo que é simples e sabido.Um só.O Homem é um só,natureza única,imprevisível,mas,um só.

15.10.05

Roteiro

15 de outubro.

Dentro da casa.Canto da sala.

O dia amanhece.Homem sentado numa cadeira confortável em frente ao computador.Ao fundo próximo, uma janela.A intensidade da luz cresce a cada minuto.Face fixa de gestos poucos.Rápidas mexidas no mouse.Com a intensidade da luz aumentando surgem os barulhos ambientes típicos de um amanhecer.

O homem então se levanta.Vai até o banheiro e mija.Lava as mãos e se dirige à cozinha.Abre a geladeira para pensar.Pensa.Pega uma garrafa d’água e bebe no bico.Vai até o quarto.Troca de roupa.Vai até a sala liga a t.v. e coloca um dvd.Vê uma cena do filme de Antonioni (Eclipse) depois desliga e sai de casa.

Abre a porta e sai.Fecha aporta e guarda a chave no bolso.Vai pelas escadas até o chão.Faz gesto ao porteiro e sai do prédio.Chega até a calçada e começa a caminhar.São três calçadas em linha reta.Dois cruzamentos de rua.Uma virada a esquerda e outra a direita até voltar a uma linha reta novamente.Agora são mais três quarteirões e dois cruzamentos de rua.No fim do último quarteirão existe um muro.Para em frente a ele e olha reto, fixo.Escuta um barulho.

Jogo de olhares: Vê acima à esquerda um homem dependurado que vira o olhar a algum lugar.O olhar da câmera se volta a esse lugar. É um gato.O olhar do gato se vira para outro lugar.O olhar da câmera se volta a esse lugar. É um rato.O olhar do rato se volta para o olhar da câmera.Aqui se dá o curto-circuito.Olhar da câmera há de se voltar para si mesma e através dos olhos do rato se vê a câmera.Percebido o jogo de olhares o olhar volta a ser da câmera novamente que no caso era o olhar sobre o rato.O tempo para aí. 10 segundo de pausa ininterrupta.Olhar da câmera sob o rato.Ouve-se outro barulho e o olhar da câmera é acionado.Vê-se agora o homem a escalar e transpor o muro.O homem consegue.O olhar da câmera fica sem olhar.O rato se foi.O gato se foi.Resta apenas o homem dependurado.O homem dependurado leva um susto e cai.O olhar da câmera acompanha a queda.Já no chão o olhar da câmera acompanha o fechar dos olhos do homem que caiu.Fade out. Fim.

Notar o falecimento da câmera.

Do olhar.

Da posição de opinião.

Da posição política.

Sobre poesia.

Eu quero varar o tempo presente.
Rasgar a superfície de mim.
Ser...
Quando sou é que sinto o que não fui.
E o que resta,é em mim:
A parte que está
E a que já não é mais,se foi...
E assim,me encho..
E assim,me esvazio..
E assim quero ser para sempre..
Um ambulante que se entope..
Um ambulante que se seca..
Poesia.