21.11.05

Gosto de Cereja

MARCELO GOMES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alguns filmes têm um dom de nos entorpecer. Alguns filmes usam de artifícios caros, efeitos esplendorosos, planos espetaculares para isso. Alguns outros, e pouquíssimos, têm o dom de nos entorpecer com quase nada. Em "Gosto de Cereja", do mestre iraniano Abbas Kiarostami, é como se fôssemos hipnotizados e carregados para um mundo onde o essencial, e somente o essencial, é visível aos olhos.
A história se passa nas ruas da conturbada e caótica Teerã. Baddi , um homem de olhar triste, dirige a esmo pela cidade à procura de alguém que possa lhe fazer um favor. Essa narrativa, aparentemente simples, provocará um estardalhaço nos nossos sentimentos. Badii tem dois olhos e uma dor profunda que sai de sua alma. Um homem e a dor do mundo. Seria esse o resumo do filme.
Não existe uma história para contar. Existe uma história para ser sentida. Nada mais acontece além do que é essencial: o sentimento do mundo. Kiarostami vai à procura da simplicidade, da reconciliação com a natureza. Ele nos embaralha a cabeça, ficamos confusos. Em algum momento, já nos sentimos com a mesma dor de Badii, já estamos no meio de Teerã, procurando respostas para nossas inquietações e como ele descobrimos que, às vezes, a resposta está na nossa frente, como uma chuva que cai ou como o relampejar de um trovão.
Eu o conheci em Cannes. Conversamos e ele disse: "Gostei do seu filme, mas ele tem o mesmo problema dos meus: quase nada acontece". E eu disse: "Esse é o maior elogio que eu poderia receber". Obrigado, mestre Abbas.

Marcelo Gomes é cineasta e ganhador do prêmio da 29ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com "Cinema, Aspirinas e Urubus", em cartaz em São Paulo.

13.11.05

David Lynch - Som e sentido

Se alguém me perguntasse quais são os filmes que, para mim, representam os exemplos mais brilhantes do que se pode realizar como cineasta, creio que eu escolheria quatro. Para começar, "Oito e Meio" [1963], para mostrar como Fellini foi capaz de obter no cinema o mesmo resultado que certos artistas conseguem na pintura abstrata, ou seja, conseguir comunicar uma emoção sem jamais falar dela ou mostrá-la diretamente, sem jamais explicá-la, quase como se fosse magia. A seguir, eu exibiria "Crepúsculo dos Deuses" [1950], um pouco pelas mesmas razões.
Porque, se o estilo de Billy Wilder não se compara ao de Fellini, ele obtém resultado mais ou menos similar, ao criar uma espécie de ambiente abstrato, menos por magia pura do que por toda espécie de invenção estilística e técnica. A Hollywood que ele nos descreve naquele filme sem dúvida jamais existiu, mas ele nos alcança e faz com que acreditemos plenamente e nos faz penetrar nela como num sonho.
Depois disso, mostraria "As Férias de M. Hulot" [1953], pela visão incrível que [Jacques] Tati tinha da sociedade. Pode-se ver, em seus filmes, como era profundo o conhecimento e o verdadeiro amor que sentia pelo ser humano, e há muito a aprender com seu exemplo.
Por fim, mostraria "Janela Indiscreta" [1954], em razão da maneira brilhante pela qual [Alfred] Hitchcock conseguiu criar -ou recriar- um verdadeiro universo no pátio daquele edifício. James Stewart não sai de sua cadeira o filme inteiro e, apesar disso, testemunha, de seu ponto de vista, uma incrível história de morte. Esse filme, a arte de condensar algo enorme e de fazer com que caiba na película, que parece minúscula, só pode funcionar por se basear em um completo domínio da imagem. [...]

Entidade sólida
Descobri o poder do som desde o começo. Trabalhei com "pintura viva", um projetor passando um filme em "loop" e o som de uma sirene rodando igualmente em "loop" por trás da cena. Desde então, sempre considerei que o som representava metade da eficácia de um filme. Temos a imagem de um lado e o som de outro, e, se o diretor sabe como aliá-los corretamente, o conjunto é muito mais forte que a soma das partes. A imagem repousa sobre toda espécie de elementos frágeis e voláteis (a luz, o enquadramento, a interpretação dos atores etc.), mas o som é uma espécie de entidade sólida e possante, que "habita" fisicamente o filme, que se instala nele como alguém se instala em uma casa.
É claro que é preciso encontrar o melhor som, o que implica muita discussão, muitos testes e muitas experiências. [...]
Cada cineasta tem hábitos ou pendores característicos, no plano técnico. Por exemplo, adoro brincar com contrastes, filmar com lentes que me dão grande amplitude de campo e ao mesmo tempo adoro close-ups muito próximos, como os fósforos em "Coração Selvagem" [1990].
Por outro lado, tenho um método muito peculiar de realizar "travellings". É um método que experimentei em "Eraserhead" [1977] e que voltei a utilizar em todos os meus trabalhos posteriores. Consiste em carregar a dolly da câmera usada no "travelling" com pesos, sacos de areia, até que pareça pesar três toneladas. São necessárias muitas pessoas para empurrá-la, e ela inicia seu percurso muito lentamente, como uma locomotiva saindo da estação.
Mas, passado um momento, a dolly ganha velocidade e, depois disso, passa a ser necessário empregar muita energia para impedir que ela corra demais. É quase necessário que alguém se jogue à sua frente para detê-la. O interessante desse método é que dá ao "travelling" uma graça e uma fluidez notáveis. Creio que o melhor "travelling" dos meus filmes esteja em "O Homem Elefante" [1980], quando Anthony Hopkins descobre pela primeira vez o homem elefante e se aproxima de seu rosto para ver sua reação.
Tecnicamente, foi uma tomada muito bem realizada, mas, além disso, no exato momento em que a câmera se detém em seu rosto, Anthony Hopkins deixa escapar uma lágrima. Isso não estava previsto. É um desses momentos mágicos que acontecem. Foi a primeira tomada, mas, após ver o que acontecera, eu nem mesmo pedi uma segunda.

O Mais-que-Perfeito combale o imperfeito.

Antes fosse certeiro o tiro, disparasse.
Não machucasse a alma desacompanhada do homem.
É negra.É feia.É de ser assim, simples.
Quando o tiro falho dói a alma é por que fora.
Um troço sem destino ferira mais, surpresa.
O fardo de quem sofre deste mal não termina jamais.
É, fosse, fora..
Eterno curativo.
É por que é.
É de ser assim, simples.
Escada sem fim, passeio.
Mas no tempo do ferimento fizera mais.
Separara o ser pela metade de si mesmo.
Jogara uma parte ao chão.
A outra, foi-se em vão.Definitiva.
Abandono e refeição.
Rio escasso e pedra.
E nos olhos o gosto leve.
E nas mãos a leve sensação.
De um dia encardido, sem qualquer coisa que pudera ser :
Alegria

2.11.05

Dias de amor.

Tanto rebuliço

A alma cheia de amor!

Satisfez

Fez-se uma em duas

Trago breve

Constante

Foram dias de amor

Hoje o peito explodiu

Mudo

Rasgou-se

E digam a todos assim:

Amei-te poucos dias mil carnavais